Céu estrelado

A morte é o início de tudo

Desde que o mundo aí está, a finitude da existência é um tema que causou e ainda causa perplexidade e comoção nos corações e mentes humanos. Todos os povos, das aldeias mais primitivas às civilizações mais avançadas, desenvolveram no alvorecer do seu surgimento, técnicas e ritos funerários, além de mitos que buscavam explicar o que havia para além da vida. Também as religiões vêm tentando há séculos confortar os corações humanos com promessas de esperança ou danação, sobre o que há de vir depois do passamento. A filosofia e a ciência procuraram e ainda procuram desvelar o mistério da morte. Para os estóicos, nada além de um fato para além do controle humano, mas que pode se constituir em uma escolha voluntária. Para os epicuristas, apenas a dissolução dos átomos que formam o corpo. Foi Spinoza quem disse que pensar demasiado nela é um mal que afeta negativamente a mente.

O fato que se impõe, entretanto, é sua inexorabilidade. Vamos morrer, e isso é tão verdadeiro quanto inescapável. Que fazer então desta delicada situação em que fomos colocados? Duas perspectivas parecem interessantes para abordar esta questão. A primeira, é de que a vida humana está inserida em um pequeno recorte de décadas diante dos bilhões de anos do Universo. Se for possível definir a vida, de maneira superficial, em uma perspectiva meramente temporal, como o período cronológico em que um ser vivo está existindo na realidade concreta, por mera oposição podemos definir a morte através deste mesmo viés, como o período de inexistência de um ser vivo. Ao deduzir a idade de um recém-falecido da idade do Universo até este momento, sem considerar a quantidade de tempo que há por vir, chegaremos à óbvia conclusão de que passamos e passaremos mais tempo mortos do que vivos.

A segunda perspectiva é a de que se perguntarmos quantas pessoas já viveram no mundo, chegaremos à conclusão de que é bastante justo que morramos algum dia. Segundo o Population Reference Bureau (www.prb.org), a atual população de 8 bilhões de pessoas no planeta Terra equivale a 7% de todos os seres humanos que já passaram por aqui: mais de 114 bilhões de pessoas. Diante dessas duas perspectivas, nada resta a não ser pacificar nossos sentimentos a respeito deste fato.

A realidade da morte nos coloca diante de um fenômeno ordinário, que perpassa a nossa vida em diversos aspectos: a escassez. Nosso tempo na existência é um recurso limitado, e por isso mesmo, valioso. Ainda que alguém acredite em alguma modalidade de vida no porvir, provavelmente não será como esta, e provavelmente não será aqui. De modo que cabe a nós decidir a melhor forma de dispor do tempo que temos para existir aqui no planeta Terra. Os temas da finitude da vida e da escassez do tempo, representados no fenômeno da morte, são paradoxalmente o ponto de partida para a elaboração dos princípios que regem a nossa vida, ou seja, que nos nortearão para o que seja importante ou não, relevante ou não, e que a tornará boa ou não. A isso chamamos valores.

Nossos valores, como o nome sugere, enriquecem a nossa vida, no sentido de que permitem que possamos agir sempre no sentido do que tem importância para nós. Sobre isto, é necessário ser absolutamente honesto, já que, se o objetivo é enriquecer nossa própria vida, não é produtivo adotar valores impostos por outras pessoas ou instituições. Cada um deve inquirir-se a respeito do que pensa e sente sobre a melhor forma de viver este curtíssimo espaço de tempo que nos foi legado, e buscar viver de acordo com isso.

Possuir e praticar os próprios valores não significa que a vida estará garantida. Nossa vida é finita, nosso tempo é escasso, e nada é garantido. Significa, entretanto, que nossa vida será nossa por direito, e que embora alguém ou algo possa arrancá-la de nós, jamais poderá tomá-la para si.

Uma resposta

  1. Reconhecer que passamos mais tempo não vivo do que vivo é um pouco esclarecedor!
    No meio tempo, em que estamos presentes no planeta, devemos realmente fazer esse período valer a pena para nós e pensarmos que somos parte desse todo que existe, mesmo não estando presente aqui.

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